terça-feira, 21 de maio de 2013

Sobre a suspensão dos editais para artistas e produtor@s negr@s do MinC


Manifesto do Coletivo Pretas Candangas, Latinidades e Griô contra a violência do racismo na gestão da cultura brasileira




Estamos há dois meses da VI edição do Latinidades – Festival da Mulher Afro-Latino Americana e Caribenha 2013. Uma louca correria por agregar valores aos temas e atividades, reunir redes, coletivos, instituições, grupos, viabilizar a vinda de pessoas que partilham com a gente a caminhada e também das que não caminharam com a gente ainda. As que chegam para o debate, as que vêm pelas apresentações artísticas e despertam para os debates. Ao mesmo tempo, lançar a publicação do ano passado, produzir cada espaço e, o mais difícil, sempre: captar recursos para fazer com que o projeto, além de trazer nossa militância, venha com a qualidade e porte que sempre prezamos em todos os sentidos. Este ano, em especial, estamos muito felizes por trabalhar com um tema que nos é muito caro: Arte e Cultura Negra – Memória Afrodescendente e Políticas Públicas.

Em meio a tantos debates importantes e necessários relacionados ao tema, sempre está a pauta do empreendedorismo negro, o fomento, o respeito aos nossos saberes, as recorrentes políticas brancas para a nossa cultura negra. De forma que estávamos desde março ansiosas pelo resultado do edital para artistas e produtor@s negr@s, lançados pelo Ministério da Cultura. Primeiro porque acompanhamos o processo do edital e vibramos pela vitória de finalmente ter conquistado esta importante ação afirmativa voltada para a cadeia produtiva da cultura negra. Também porque tínhamos esperança de uma vaga, afinal não é todo dia que temos oportunidade de escrever e apresentar uma proposta a uma banca que considere nossas demandas e saberes. Sabemos de muitas propostas importantes encaminhadas, pelo que sabemos foram mais de duas mil.

Hoje, é com muita tristeza e indignação que recebemos a notícia de suspensão dos editais pela Justiça Federal, com o entendimento de que eles representam uma prática racista. Abrindo a notícia para entender mais sobre o processo, passava pela cabeça que fosse um trote ou coisa do tipo. Sabemos e vivemos a realidade da falta de políticas e instrumentos de fomento para as nossas produções, mas ainda não queríamos crer em tamanho retrocesso. Racismo institucional, racismo puro, racismo!

A decisão veio do Juiz José Carlos do Vale Madeira, da 5ª Vara da Seção Judiciária do Maranhão e foi publicada no Diário Oficial de 20/05/013. Pensamos ser impossível. O MinC, com muita competência já abriu editais para cultura cigana, idosos, culturas populares, indígenas, crianças, pessoas com deficiência, hip hop, mas nunca se deu tamanha polêmica. Respondemos a várias agressões, até mesmo em fóruns de cultura, pessoas que acreditam defender a liberdade e a fruição dos bens culturais, mas ainda não compreenderam a dimensão do racismo que existe dentro delas. E a despeito de qualquer polêmica, nunca houve suspensão desses editais.

Certa vez a ativista, filósofa e nossa mestra Sueli Carneiro afirmou que tudo o que existe de mais popular e erudito no Brasil diz respeito à cultura negra. De que forma está tratada esta cultura em termos de políticas públicas? Como propor e garantir que os saberes orais e ancestrais sejam considerados nos editais, chamadas públicas e outras linhas de fomento e incentivo? Como garantir que as manifestações negras sejam vistas para além da folclorização e do exotismo? Que pesquisas temos com indicadores relacionados à economia da cultura afro-brasileira e afro-latina? Como esta cadeia promove, formaliza e agrega atrizes e atores negros? Qual a melhor forma de inserir no mercado de trabalho e tirar da informalidade agentes da cultura negra? Quais programas e projetos preveem capacitação nas áreas relacionadas à cadeia produtiva da cultura e que podem nos atender? Que linhas de crédito específicas temos para empreendedoras e empreendedores negros e que trabalham com cultura negra?

Diante de tudo isso, resolvemos nos manifestar abordando o tema em 2013 e agora, de forma indignada pela suspensão dos editais. Ao mesmo tempo por revolta, vendo mais uma vez o racismo que impede o Brasil de avançar, e em apoio ao Ministério da Cultura, Seppir e Fundação Palmares, para que neste momento estejamos juntas e juntos. É momento mais uma vez de recorrer, momento de mais uma batalha, na qual precisamos nos manifestar, ocupar as ruas, as audiências, nos movimentar, criar mais um marco de luta e de vitória.

Em 2011 nos manifestamos com um texto que reproduzimos aqui. As mesmas angústias. Temos muita caminhada pela frente, caminhantes!!!


Deu branco nas políticas culturais

Abre edital. Para saber, geralmente, tem que fazer parte um circuito seleto. Abre edital, uma mãe de santo que confere e-mail uma vez por semana recebe a informação. Não entende muito. Faltam dois dias. Pede ajuda. Ela faz uma rede, passa pros grupos de capoeira, que passam pros de percussão. O movimento cultural negro se agita, fóruns multiplicam a oportunidade. O correio nagô faz o serviço. A negrada se ouriça, quer participar, levar a cultura afro-brasileira pros palcos, ser remunerada. O jogo é pesado: tem que ter CNPJ, saber elaborar projeto, fazer inscrição online, ter nota fiscal para comprovar antigos cachês que nunca foram pagos, contratos que vão ser analisados pelo Ministério Público. E se você tem tudo isso concorre para projetos de pequeno porte, tendo em vista os valores de aporte.

O terreiro não tem documento. A capoeira não tem Ordem dos Músicos (nem tem que ter). Mestras e mestres griôs não tem o valor da oralidade ancestral considerada na maior parte dos editais. As comunidades quilombolas não estão em dia com o ECAD. Nós sempre criamos, mas os direitos autorais não entram nos nossos bolsos. Para tradições negras, regras brancas, já disseram. A cultura do sinhôzinho ainda é a que tem fomento. Quem tem os mecanismos, leva. E daí vem o papo de ter que aprender, é fato. Mas eu me pergunto pra que a mestra de capoeira vai querer ter OMB…e por aí vai a nossa batalha: qual edital vai considerar nossas especificidades? Porque também queremos jogar de acordo nossas preciosidades e referências.


Após várias lutas parece que estamos quase que no mesmo ponto. É como o GOG diz: “o opressor ameaça recalçar as botas” quando se fala em ações reparatórias mínimas.


Distrito Federal, 21 de maio de 2013

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Por que falar em liberdade?


Especial para a Blogagem Coletiva pelos 125 anos de abolição convocada pelas Blogueiras Negras





A dois dias deste 13 de maio, fui surpreendida pela capa do Caderno Especial Abolição 125 anos do jornal O Globo. A imagem trazia o rosto de um colega, o historiador Robson Machado, acompanhado do título “Eu escrevo a minha história”. Ao longo de duas matérias, trechos da entrevista dada pelo pesquisador são arranjados de modo a oferecer um panorama da trajetória da família Machado, que percorreu as províncias, depois estados, de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo.

O ponto de partida é a escravidão vivenciada por seu bisavô, Vicente Pereira Machado, nascido provavelmente em 1857, e chega aos dias atuais, quando o filho de Robson frequenta a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) como estudante de Geografia. A história contada por ele também inclui a ação das mulheres da família, a exemplo da bisavó Marcolina Ribeiro de Jesus, da avó Ana Cândida e da sua mãe Maria Cleusa Vicente Machado. O relato emocionava, e ainda emociona, não só pelo fato de contar sobre experiências de gente que parece familiar, mas também por ser um exemplo de superação em sequência.

Mas sensação de acalanto logo se esvaiu quando cheguei à matéria “Maioria dos negros já é de classe média” e a outras partes da reportagem. É que dessa vez a surpresa foi me dar conta do que tornava interessante àquele jornal falar dos caminhos trilhados pelos libertos do 13 de Maio, daqueles e daquelas que davam rosto e historicidade ao número de 700 mil pessoas que ainda estavam submetidas à condição formal de escravos às vésperas da abolição.

Sendo época de tocar no assunto, as histórias contadas por Robson e outros pesquisadores sérios e interessados em levantar as ações de resistência negra antes e depois da abolição serviam ali para demonstrar uma tese: o peso das barbaridades produzidas pela escravidão tende a diminuir. E mais, na opinião de Yvonne Maggie, isso nem mesmo tem a ver com as políticas de ação afirmativa para o acesso de estudantes negros no Ensino Superior. Para que a coisa se resolva de vez, faltam apenas melhorias na rede pública de educação básica. De tal sorte, não foi preciso abordar os números alarmantes das mortes de jovens negros Brasil adentro.

Nesse jogo de morde e assopra ou assopra e morde, é até possível falar em desigualdades raciais, certas desvantagens no mercado de trabalho, citar dados do Laboratório de Análises Econômicas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), mas isso sempre acompanhado de opiniões que tentam induzir a um otimismo ingênuo, que nenhuma chance tem de dimensionar a gravidade do problema. Prospera o esquema “No Brasil existe racismo, mas eu não sou racista”.

Esse modo de enquadrar a saída da escravidão impede as pessoas de considerar seriamente o peso de um dado presente até mesmo na reportagem: a maioria das pessoas negras já era legalmente livre antes do advento da abolição em 1888. De fato, o aumento do número de negros livres e libertos vinha ganhando fôlego desde o século XVIII até que, ao se realizar o Censo de 1872, se chegou à informação de que no Brasil a cada cinco pessoas negras, 3,68 eram livres. Os números para cidades como Recife chegavam ser até um pouco mais expressivos: 3,86 livres para cada cinco indivíduos negros.

Fixar a atenção no dispositivo da Lei Áurea é, portanto, subestimar o significado da abolição lenta e gradual que ocorreu no Brasil; é passar por cima das denúncias contra o “preconceito de cor” que muitas pessoas faziam por meio dos jornais e em queixas às instituições de justiça; é não conectar a criminalização das práticas culturais negras na República com a aquilo que se viveu durante a vigência do Império. Em resumo, é tentar encobrir como o racismo antinegro operou minuciosamente para instituir o lugar de não cidadão aos descendentes de africanos neste país.

Com efeito, há muito tempo que nós temos exemplos de homens e mulheres negras que romperam uma série de barreiras, ascenderam socialmente e bradaram contra as injustiças raciais por aqui. Eles podem ser encontrados até mesmo na época em que o já ilegal tráfico internacional de africanos seguia fazendo a fortuna dos donos do poder e alimentava o Estado brasileiro. Por isso, ainda que eles nos sejam essenciais para o reconhecimento das nossas histórias, é preciso tomar cuidado com usos das nossas referências de superação. A possibilidade do desvio da regra nunca a tornou inválida.

No início da década de 1880, por exemplo, advogados, jornalistas e médicos formados, como José Ferreira de Menezes, José do Patrocínio, Vicente de Souza e outros abolicionistas negros, em parceria também com brancos, buscaram defender uma saída da escravidão que priorizasse a valorização dos trabalhadores negros. Acontece que o simples gesto de alguém pensar nesses termos desencadeou a fúria de homens como Sílvio Romero, que foi à imprensa negar a legitimidade intelectual daquelas pessoas para tratar dos assuntos do país e abertamente afirmar que não confundia “emancipação de escravos com elogio de negro!”. Tais comentários, por certo, não os fizeram desacreditar na urgência da luta, mas servem de amostra para vermos como a afirmação do sujeito negro com ser capaz de exercer sua autonomia e sua humanidade foi posta a pisar em falso na história deste país.

À luz dessas questões, fica mais uma vez evidente que os desafios da liberdade não começaram há 125 anos e que não podemos virar as costas para as diferentes formas da participação negra na luta pelo fim do escravismo e da superação do racismo. É preciso ter cada vez mais nítido o lastro do jogo de forças que operavam naquele contexto para entendermos como até hoje o Brasil figura como um país viável, a despeito de ser um dos piores cenários de desigualdade racial do mundo.


Caso queira, confira o Caderno Especial  Abolição 125 anos

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Versos, quase uma prosa, sobre a abolição



Eu não vi a princesa no 13 de maio de 1888




    Eu não vi a princesa no 13 de maio de 1888
    Eu acordei cedo, muito antes das oito,
    Mas não houve jeito de ver a princesa
    Naquela festejada tarde de 88.

    Mal rompia a alvorada e estávamos todos de pé
    Partimos da Escola da Cancela, eu e os malungos,
    Com flores e saudades todos juntos,
    A saudar Ferreira de Menezes no Francisco Xavier.

    Na volta, a cidade era só animação, com o sol a estourar
    Ao Paço Imperial dirigira-se Isabel, a princesa
    Ao piano, Dona Cacilda de Souza e seus acordes de inegável beleza
    Enquanto Vasques maquinava alguma coisa para no palco encenar.

    Rebouças, Patrocínio e Vicente de Souza, eu bem sabia que estavam lá
    Mas também havia muita gente com quem confraternizar pelas bandas de cá
    Tipógrafos, cocheiros, artistas, quitandeiras, todo o pessoal que se pôs a lutar
    Aquele foi um dia tão nosso que até o Caramujo de Assis resolveu participar.

    É por isso que quando me perguntam:
    “Você viu a princesa em 1888?”
    Eu logo respondo:
    Que nada! Deixa isso pra lá!


    Eu bem sei que não levo jeito para a poesia, mas hoje me deu vontade de experimentar. Então, para rebater meus versinhos, leia a crônica de Machado de Assis de 14 de maio de 1893.

http://blogueirasnegras.wordpress.com/2013/05/06/blogagem-coletiva-125-anos-de-abolicao/