terça-feira, 22 de novembro de 2016

Dandara: ficção ou realidade?

Dandara: ficção ou realidade? 

Leia o texto do mestre Nei Lopes



Vira e mexe, reacende a polêmica sobre a existência real das pessoas de Dandara, Luiza Mahin, Chico Rei, entre outras reverenciadas pelos discursos populares. Mais do que oportunidade para demonstrar erudição, uma boa conversa sobre isso serve para ressaltarmos o quanto a difusão e a ampla apropriação dos estudos históricos são necessárias, importantes e podem encontrar terreno fértil. 

Afinal, a possibilidade de se alimentar mitos e lendas sobre personagens legendários e com forte apelo social tem a ver com a trágica carência de informações sobre as experiências de segmentos marginalizados e subalternizados ao longo da história deste país. As pessoas têm sede de saber, por exemplo, como os homens e, cada vez mais, as mulheres negras levaram suas vidas. Daí, um pequeno pedacinho de qualquer coisa vira tesouro, abrindo brecha para muitas apropriações, umas mais legais outras nem tanto. Isso, em si, não é o maior dos problemas. 

Sendo assim, nesta semana do 20 de Novembro, tendo em vista que o blog Meu Lote, do grande mestre Nei Lopes, está em manutenção, pedi autorização para compartilhar o texto Dandara, a "Noiva" de Zumbi, que ele escreveu há dois anos.

Bora levar adiante essa conversa, porque o homem sabe das coisas! 


Dandara, a “Noiva” de Zumbi


Nei Lopes – 20/11/2014

Zezé Motta interpreta o personagem Dandara no filme Quilombo, de Cacá Diegues, de 1984.


“Nome de Dandara nasceu no fundo das eras mais profundas do que o mar. Velhos manfus [?] contavam que no tempo em que a grande cachoeira ainda pertencia ao poderoso n’gombe, existiu uma orixá de peitos sempre pejados chamada Dandara. Um dia a orixá, famosa caçadora de rinocerontes, acuou num tenebroso socavão da floresta de Ogum uma presa acompanhada de cria nova. Percebendo que o pequeno animal tinha fome, Dandara largou por terra a lança afiada, agachou-se e aconchegou-o aos peitos fartos, mas, enquanto amamentava, a fêmea enfurecida e investiu, matando Dandara e a própria cria”...

E assim foi que, no texto delirantemente fantástico de seu romance épico “Ganga-Zumba” (Edições de Ouro, s/d, cap. 86, p. 138), em que mistura mitos, expressões lingüísticas e origens étnicas diferentes e distantes no mesmo ambiente; foi assim que o grande escritor mineiro João Felício dos Santos (1911-1989), certamente sem querer, criou um dos maiores mitos da História do Brasil – a lenda de Dandara, o amor de Zumbi. Vejamos por quê. 

Os textos que fundamentam a História dos quilombos de Palmares baseiam-se em relatórios militares encomendados pelas autoridades coloniais. Foram escritos sob a ótica dos dominadores, repressores daquela subversão, e serviam principalmente para exaltar não as façanhas dos aquilombados, mas a atuação dos integrantes das expedições de captura ou extermínio. Esses, sim, são citados nominalmente; enquanto que os quilombolas nominados são, salvo engano, apenas aqueles que deram nomes a suas comunidades, como era comum na Angola colonial: Dambrabanga, Andalaquituxe, Ganga Zumba, Zumbi, etc.

Falamos em Angola; porque o “quilombo” é uma instituição social congo-angolana. E aí apontamos a primeira armadilha da ficção de João Felício: ele associa o nome “Dandara” ao de um orixá, quando sabemos que o termo “orixá”, bem como sua conceituação, não pertence ao universo banto, angolo-conguês, e sim ao iorubano, da atual República da Nigéria, no Golfo da Guiné.

E dizemos mais: num contexto profundamente sexista, quanto era o do século XVII, no Brasil e na Europa, em relatórios de guerra, salvo eventuais exceções, mulheres são citadas apenas como registro estatístico. Exemplo: “Constam os Palmares de negros que fugiram a seus senhores (...) e com mulheres e filhos habitam em um bosque de tão excessiva grandeza que fará maior do que todo o reino de Portugal” (relatório em M.M. Freitas, “Reino negro de Palmares", Bibliex, 1988, p. 345).

Na História palmarina, a única menção a mulher de que temos notícia, salvo prova em contrário, é a feita à idosa “Madalena, negra de Angola”, que seria “sogra” de um dos filhos do “rei” Ganga-Zumba (cf. Benjamin Péret. “O quilombo de Palmares”, Lisboa, Fenda Edições, 1988, p. 26).

Observemos, ainda, que esse livro do francês Péret estampa uma farta nominata; mas toda ela referente ao período em que a liderança de Palmares era exercida por Ganga-Zumba e não por Zumbi, que comandou a decisiva dissidência do grupo.

Sobre isso assim escreve o historiador Ivan Alves Filho: “No mês de novembro de 1678, à frente de um grupo de 140 pessoas, Ganga-Zumba se deslocou para Recife a fim de formalizar o acordo de paz. Ele foi nomeado oficial do exército português e dois de seus filhos foram adotados pelo Governador (...). Assim, Ganga-Zumba e seus partidários vão viver em Cucaú, uma região situada a 32 quilômetros de Serinhaém” (in “Memorial dos Palmares”, Brasília, Fundação Astrojildo Pereira/Editorial Abaré, 2008, p.103).

Esse fato histórico nos remete de pronto ao ocorrido no Congo, cerca de duzentos anos antes, quando, em seus primeiros contatos com os exploradores portugueses, a corte do poderoso Reino concorda em receber os sacramentos católicos e nomes cristãos como Afonso (ex-Nzinga Mbemba), Pedro (ex-Nkanga Mbemba), Francisco (Nzinga Mpudi), Diogo (Nkumbi-a-Mpudi), etc. As rainhas e princesas não mereceram nenhum registro histórico.

Vejamos, também, que o fato de Ganga-Zumba ter fechado acordo com os colonialistas fez com que sua época fosse mais detalhada nos documentos, inclusive com menções heróicas tais como a uma pistola de prata com que teria cometido suicídio, versão mais tarde substituída por homicídio mediante envenenamento. Já Zumbi não era “nobre”, nem “herói”: era “bandido, terrorista, guerrilheiro”. Como seus ancestrais africanos, que resistiram até não poder mais à cobiça e às armas lusitanas.

**

O “Zumbi” de João Felício dos Santos é um herói mítico, inclusive confundido com Ganga-Zumba. Seus quilombolas ora falam quimbundo e quicongo (idiomas bantos), ora falam iorubá. Cultuam orixás (forças naturais nagôs, iorubanas) com cantigas do vasto universo congo. E sua “Dandara” é, como visto acima, uma clara referencia a Oiá-Iansã, nome tutelar do trecho nigeriano do rio Níger, que lá é chamado “Odo-Oya” (rio de Oiá).

Reforçamos dizendo que, anos atrás, em um trabalho intitulado “Onomástica Palmarina” (publicado na revista “Carta”, Brasília, Senado Federal, Gabinete do Senador Darcy Ribeiro, n. 13, nov. 1994, pp. 55-62) conseguimos estabelecer, pelo menos em hipóteses, explicações etimológicas para quase todos os nomes próprios, de personagens da saga quilombola. Exceto o de “Dandara”.

Sobre esse nome, para nós, o que ecoa próximo é apenas o de Elesbão Dandará, um dos lideres da Revolta dos Malês, em 1835. Mas “Dandará” é um nome hauçá, língua em que o elemento “dan” corresponde ao árabe “ibn” e ao hebraico “ben”, com o significado de “filho de”.

Acreditamos, então, salvo prova em contrário, que a “Dandara” de Zumbi é um personagem fictício. O que, entretanto, não nos impede de louvar e apoiar o esforço das mulheres afro-brasileiras no sentido de termos, cada vez mais, no panteão das heroínas afrodescendentes, figuras exemplares, merecedoras de reverência e até mesmo veneração. Elas existiram e existem, sim. E não são poucas.



Aproveitando, segue o link para os filmes Ganga Zumba (1963) e Quilombo (1984), dirigidos por Cacá Diegues, para os quais colaborou José Felicio dos Santos.  


domingo, 20 de novembro de 2016

"20 de Novembro", poema de Beatriz Nascimento

20 de Novembro 

Beatriz Nascimento (1942-1995)



O Quilombo é memória, que
não acontece só pros negros,
acontece pra nação. Ele
aparece, ele surge, nos 
momentos de crise da 
nacionalidade!

A nós não cabe valorizar 
a História. A nós nos cabe ver
o continuum dessa História...

Porque Zumbi queria fazer
a nação brasileira, já com 
índios e negros integrados 
dentro dela. Ele quer 
empreender um projeto
nacional, de uma forma 
traumática, mas não tão 
traumática quanto os
ocidentais fizeram, destruindo
culturas, destruindo a 
História dos povos dominados. 

Fonte: Jornal do MNU, n. 17, set-nov. de 1989, p. 12.



terça-feira, 12 de julho de 2016

Luiza Bairros, a você que nos mostrou a possibilidade de ser, muito obrigada!

Axé, Luiza Bairros! Axé, Yalodê!

A você que nos mostrou a possibilidade de ser, muito obrigada!


Sueli Carneiro, Patrícia Hill Collins, Luiza Bairros e Angela Davis no Festival Latinidades, 2014


Foi num sábado de 1998 ou 1999. Era século XX. Em algum dia daquela semana, Edson Cardoso mandou um recado que eu guardei da seguinte maneira: “Tenho de estar na Enap, às 15 horas, para ver duas mulheres que vão falar”. De Planaltina ao final da W3 Sul, eu bem lembro que me perguntei: “Mas o que será que essas mulheres vão falar de tão importante?”. Cheguei lá antes da hora. Estava rolando uma daquelas discussões da pesada entre as/os militantes presentes. Era o tempo em que ainda me assustava com esse tipo espaço. Mas, em dado momento, aquela agitação toda foi interrompida. As cadeiras da sala foram reorganizadas e as duas mulheres se encaminharam à mesa. Eram Luiza Bairros e Sueli Carneiro, anotei no caderno aqueles dois nomes, achando que poderia esquecer depois.

Do desconhecimento e da desconfiança, em alguns minutos, passei a um estado de maravilhamento. Ali sentadas, elas olhavam para aquela audiência com cumplicidade e altivez. Eu nunca tinha visto nenhuma mulher negra fazer aquilo em toda a minha vida! A voz de Luiza, em especial, me mobilizava. Era grave e muito firme, embalava palavras extremamente bem articuladas e criava em mim a sensação de estar em frente a um espelho e querer ver minha imagem ali refletida. É isso. Aquele momento marcou o momento da minha vida em que eu descobri que ser mulher negra era mais do que me sentir acuada, fora de lugar no mundo.

A despeito de todos os nãos cotidianos, aquelas duas mulheres me mostraram a possibilidade de realmente ser. Uma me despertava a possibilidade e a outra aparecia como a confirmação de que isso era mais que viável. Eram duas! E, partir delas, passei a encontrar muitas outras e olhar no espelho passou a ser oportunidade para ver traços de Jurema, Wânia, Vilma, Martha, Vera, Sinha, Inaldete, Janaina, Lúcia, Ana, Conceição e tantas outras em meu rosto, em minha história.

Lembro disso hoje por não saber ainda como lidar com ausência física de Luiza Bairros, por tentar me organizar para o desafio de me conectar a ela pela força da ancestralidade. Ao longo desses anos, nunca houve contexto de dizer obrigada pelos muitos momentos em que ela me protegeu, com suas palavras e atitudes, da violência do racismo, do machismo, do elitismo, que grassam nos mais variados espaços sociais, com destaque para a academia, para onde ela disse que nós teríamos que ir e fazer a luta com todas as armas necessárias.

Entre tantas recordações de felicidade guerreira, escolheria, por fim, uma que me leva ao encontro de estudantes negros na UnB, em 2005, quando Luiza Bairros deu uma boa chamada na nossa geração, dizendo que a viabilidade do movimento negro não se garantia apenas pelos homens que adoram o microfone, mas sobretudo pelas mulheres que normalmente são as que mais trabalharam na retaguarda para que a coisa toda aconteça. Lembro que ficamos muito orgulhosas de sermos tratadas como protagonistas.

Assim como eu, sei que muitas mulheres e jovens negras têm muito a contar dessa que nos foi caminho e agora virou estrela.

Axé, Luiza Bairros! Axé, Yalodê! Em sua honra e memória, seguiremos! 

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Equede: A mãe de todos - Resenha

Equede: A mãe de todos − um livro sobre amor, ancestralidade e mulheres de partido alto



“E 1964, vocês sabem, foi o ano do golpe militar. Ali no Centro de Salvador, depois da aula, juntava o pessoal do Teixeira, do Central, do Ipiranga e dos outros colégios. Muitas vezes fomos para as ruas e participamos das manifestações estudantis, principalmente em 1968. Imagine a cabeça de uma jovem dividindo-se entre as convicções políticas e obrigações religiosas” – relembra Equede Sinha, 70 anos, em seu livro autobiográfico Equede: A mãe de todos, publicado pela editora Barabô e lançado no dia 8 de março de 2016, em Salvador, e em 6 de maio , em São Paulo.

Naquele momento em que pessoas pelo país afora se reinventavam na luta pela defesa da democracia e da liberdade de expressão, a jovem Gersonice Azevedo também tomava decisões e assumia responsabilidades que teriam impacto não apenas em sua vida, mas ainda na de toda uma coletividade da qual era parte antes mesmo do seu nascimento. É que em 1970, um ano após ter se casado com Evaristo Bradão e se mudado para o Rio de Janeiro, ela foi confirmada equede no Terreiro da Casa Branca, o Ilê Axé Iyá Nassô Oká, em Salvador, pelas mãos e as bênçãos de Mãe Nitinha e Mãe Tatá. Suspensa aos 7 anos, firmava-se, então, como mãe antes mesmo de gerar seus quatro filhos naturais: Gersoney, Gustavo, Edney e Júnior.

Divulgação

No livro, escrito na primeira pessoa, ela nos conta como, nas últimas quase cinco décadas, empreendeu esforços individuais e coletivos para “dar continuidade ao que nos foi legado por nossa ancestralidade”, dedicando-se ao exercício diário de ser mãe não só de Oxóssi, mas “de todos os orixás, de Exu a Oxalá”, e daquelas/es protegidas/os pelos orixás. Vistas a partir do seu lugar de fala, as narrativas conservadoras sobre a história da cidade de Salvador e também do Brasil, que tornam invisíveis ou meramente anônimas pessoas como ela, ficam seriamente comprometidas. Sua forma de perceber e viver a vida, em contraponto a isso, assume relevância no destino de mulheres, homens e lugares. De tal sorte, a escrita da autobiografia torna-se uma afirmação da importância do seu lugar social, do seu posto de equede da Casa Branca, da sua condição de mãe de todos/as.

O governador Roberto Santos poderia não ter oficialmente liberado os cultos de matriz africana na Bahia em 1976. Assim como as derrotas poderiam sobrepujar as vitórias no que toca a degradação da natureza e a especulação imobiliária – como o risco causado pela construção de um posto de combustível da multinacional Esso nos anos 1970 e 1980, que atentou contra a manutenção da centenária herança material e imaterial associada ao terreno da Casa Branca, mas que foi demolido graças à mobilização do povo de axé. Mas o fato é que, como aprendera com outras “mulheres de partido alto”, Equede Sinha já sabia que as águas sempre criam passagem. E foi assim que se tornou sujeita ativa e testemunha das ações das/os praticantes do candomblé em defesa de seus direitos, contra o desrespeito religioso e o racismo.

Equedes Sinha de Oxóssi,  Nem de Ogum (Angélica Ribeiro da Silva), Marineide Ferreira Conceição de Oxalá, Maridalva Ferreira Conceição de Oxóssi, e as irmãs Liliane e Nadja Chagas de Oxum. Foto: Dadá Jaques.

Isso porque, mesmo no tempo da distância geográfica, ela se manteve fiel aos compromissos firmados com o axé daquela casa de tradição matriarcal, fazendo-se presente nas variadas atividades anuais, seja “com barriga, sem barriga, com filho, sem filho”. Seu retorno definitivo em 1990, no entanto, foi justificado por seu lugar de filha. A saúde de sua mãe carnal, a Vovó Conceição (Maria da Conceição Oliveira), de Nanã, estava bastante debilitada, exigindo um zelo ainda maior. Enquanto se dedicava a esses cuidados, foi ainda surpreendida pela morte do marido. Pouco depois, em 1992, aos 82 anos de vida e 53 de candomblé, a bem lembrada Vovó Conceição também fez sua passagem para a ancestralidade. Mas, apesar dos reveses, “dentro de nossa religião, a maturidade chega muito cedo e tive forças para superar e honrar meus compromissos como mãe biológica e mãe espiritual que sem fui” − avalia.

Aliás, essa serenidade perante os desafios da vida Equede Sinha muito atribui aos ensinamentos de Vovó Conceição, sem, ao mesmo tempo, deixar de reconhecer os valiosos exemplos das outras tantas mães que lhe fizeram mãe. Em reverência aos significados desses aprendizados, ela trabalhou pela criação do Espaço Cultural VovóConceição, centro de corte e costura para roupas de orixás, inaugurado em 2006. Além de zelar pela manutenção de certas práticas culturais registradas por meio das vestimentas utilizadas nos rituais internos e nas festividades públicas, o espaço existe como forma de criar alternativas de geração de renda, sobretudo para as mulheres residentes no entorno da Casa Branca. Em sintonia com um conceito abrangente de saúde, o espaço também abriga oficinas de confecção de instrumentos, capoeira, alongamento, contação de histórias, etc., parte das atividades da programação anual da Feira da Saúde, que acontece desde 2003. Ao refletir sobre os porquês de fazer isso, Equede Sinha reafirma o princípio da ancestralidade: “Tenho certeza que ela [Vovó Conceição] está presente fazendo parte desta comunidade através dos ensinamentos que deixou”.

Equede Sinha e sua mãe, Vovó Conceição. Acervo Terreiro da Casa Branca.

Não sendo dirigido apenas ao povo de santo ou a especialistas, o livro traz uma série de informações que permitem a leitores/as leigos/as se aproximar de aspectos do cotidiano de um terreiro de candomblé que muito têm a dizer sobre as reelaborações das práticas culturais de origens africanas no Brasil, como a Festa do Jacaré, uma celebração à memória das antigas lideranças da comunidade, cuja origem remete à festa das Máscaras Geledés. E faz isso sem cair em proselitismo, é bom dizer.

A começar pelo próprio lugar de Equede, Mãe Sinha oferece explicações sobre esse lugar ocupado pelas mulheres que não entram em transe, não “viram no santo”, sendo responsáveis por atender os orixás e a casa. Trata-se, pois, de uma figura central na preservação do costume de acolher, escutar o que as pessoas, os/as filhos/as, têm e precisam dizer, e alimentar o sentimento de família estendida, tão caros à sobrevivência das populações negras trazidas para o lado de cá de Atlântico por força do tráfico internacional de seres humanos escravizados. Além dessa posição aparentemente simples, ela ainda nos lembra que as equedes também podem ocupar qualquer um dos cargos/postos da hierarquia de uma casa de candomblé. “Já tivemos equede-ialorixá, equede-iaquequerê, equede-iamorô” − comenta. Sobre elas também recai a responsabilidade de saber o que ofertar, o que comer, cantar, vestir, como dançar, agradecer e reverenciar os orixás e toda a ancestralidade. “Autoridade é vivência e conhecimento”, e, justamente por isso, faz questão de exaltar os ensinamentos de Tia Morena de Obaluaiê, que dizia que a “cozinha de axé é para conhecimento da comunidade”.

As histórias de Equede Sinha são, por certo, maneiras de se posicionar a respeito de assuntos delicados que envolvem as transformações e a continuidade do candomblé e suas tradições. Efetivamente, ao rememorar episódios que apontam para as conexões com casas em outros estados e os anseios por adequação às práticas religiosas e linguísticas da África contemporânea, por exemplo, ela faz uma defesa daquilo que foi sendo construído e mantido pelas gerações de Mães Ancestrais que enfrentaram as possibilidades e limitações colocadas pelo processo histórico brasileiro. Sobre isso, ela não se intimida ao dizer.

“As traduções que estão tentando fazer podem se tornar uma grande armadilha. Corremos o sério risco de perder todo esse legado, toda essa história de diversos povos que se uniram, se misturaram aqui no Brasil, e que são a nossa origem, a identidade da nossa religião. O que eles falavam é o que nós falamos hoje. Perdemos muita coisa, mas a essência é a mesma.Temos um ioruba religioso, construído com partes de inúmeros dialetos sagrados que vieram de uma África que já não existe mais. Isso se misturou com a cultura local dominante da época e nos fez o que somos. Então o jeito que minha tia Tieta canta, para mim, é o certo. Faço questão de cantar do jeito dela porque é a forma de valorizar a maneira que ela aprendeu com as mais velhas”.

No fim das contas, para ela, o que importa mesmo é o princípio de que os orixás “são nossos antepassados divinizados que se integraram às energias da natureza”. E, portanto, como diz a cantiga (orim) que entoou durante o lançamento do livro em São Paulo: “Nada vai nos impedir de praticar a religião de nossa casa”. O livro está, pois, repleto dessas conversas de mãe, joias preciosas nesse tempo de novas batalhas contra preconceitos e discriminações.

Lançamento do livro em São Paulo, Biblioteca Mário de Andrade, 6 de maio de 2015. 

Livro: Equede – A Mãe de Todos
Autora: Gersonice Equede Sinha Azevedo Brandão
Organização: Alexandre Lyrio e Dadá Jaques
Editora: Barabô  (Salvador, 2016)
Valor: R$ 150,00

Outras sugestões de leitura:
Lisa Earl Castilho e Luis Nicolau Pares. Marcelina da Silva e seu mundo: novos dados para uma historiografiado candomblé ketu. Afro-Ásia, n. 36, 2007, p. 111-151.
Lisa Earl Castilho e Luis Nicolau Pares. José Pedro Autran e o retorno de Xangô . Religião e Sociedade, v. 35, n. 1, 2015, p. 13-43.


terça-feira, 13 de outubro de 2015

O Topo da Montanha e a afirmação da humanidade negra

O Topo da Montanha e a afirmação da humanidade negra


Notas a partir do lugar de público negro




Longe de ser uma crítica de arte, escrevo a partir tão somente do lugar de público. Mas não apenas público, substantivo carente de materialidade. Falo como integrante do público negro, um conjunto de espectadores/as comumente subestimado ou até muito sonhado, porém tido como distanciado das salas de teatro, cinema, galerias, etc., por razões que dialogam com as violentas e sofisticadas práticas de exclusão sociorracial.

Faço isso porque acredito sinceramente que, afora autoras/es, obras e críticos/as especializados/as, o público é também fundamental para que a arte exista. E nós, público negro, não só existimos, mas também, tal como aconteceu na noite do último sábado (10), podemos nos fazer presentes em quantidade e qualidade!

Estou me referindo à experiência de assistir à peça O Topo da Montanha, uma adaptação do texto de Katori Hall, dirigida por Lázaro Ramos, produzida e protagonizada por ele e Taís Araújo, que estreou no Teatro Faap, São Paulo, em 9 de outubro e fica em cartaz até 20 de dezembro.

Eu e um casal de amigos nos dirigimos a essa casa localizada no elegante bairro de Higienópolis bem achando que seríamos a famigerada limitada cota negra entre uma maioria de espectadores brancos. Diferentemente do previsto e como chegamos cedo, pudemos nos deliciar ao ver a entrada de seguidos pequenos grupos de amigos, famílias, casais e homens e mulheres solitárias de pele escura, cabelo crespo e com umas caras de contentamento indisfarçável! As pessoas estavam gostando de se ver ocupando aquele lugar!

De todo modo, é preciso dizer que essa não foi a primeira vez que vi isso acontecer. Na verdade, observo esse fenômeno se repetir cada vez com mais frequência e intensidade nos últimos anos. Considero que eu mesma sou prova disso. Ouso até especular se a incorporação das cotas raciais ao debate público já não está servindo para catalisar a expansão dos limites da participação negra em outros espaços... É, pode ser, mas isso é assunto para outro texto.

Por ora, é melhor continuar no Topo da Montanha. Aliás, a escolha desse texto é, por si, um grande presente, sobretudo para nós, público negro. Em tempos de marchas em defesa da vida da população negra no Brasil ‑, o que inclui aproximações e conflitos de natureza variada ‑, recuperar a trajetória de Martin Luther King a partir do registro de múltiplas dimensões da vida humana serve como uma boa oportunidade para se refletir como temos encaminhado nossas práticas de resistência ao que nos oprime. O reconhecimento da confluência entre medo e esperança, egoísmo e altruísmo, vaidade e humildade num sujeito emblemático como King é, de fato, uma das várias qualidades da escrita de Katori Hall.

Natural de Memphis, Tennessee, ela é uma jovem escritora negra, de 34 anos, formada em instituições de renome como Columbia e Harvard, tendo sido a primeira mulher negra a receber o prêmio Laurence Olivier de melhor peça estreante, em março de 2010, por The Mountaintop, título original em inglês. Para além dos títulos acadêmicos e prêmios, vale mesmo a pena acompanhar a trajetória de Katori por sua capacidade criativa. Atualmente, ela está trabalhando em seu primeiro filme de curta metragem, Arkabutla, que fala sobre relações familiares e racismo.

Outras escolhas feitas para o espetáculo também nos convidam a reconhecer e destacar mais um punhado de talentos negros do teatro. A consultoria dramática e cênica é assinada por Ângelo Flávio. Ator, dramaturgo e diretor, ele é um dos expoentes do teatro negro brasileiro, fundador da Cia Teatral Abdias Nascimento (CAN) na UFBA, em 2002, e responsável, entre outras, pela montagem da peça A casa dos espectros (2006), a partir da obra Funnyhouse of a Negro (1964), de Adrienne Kennedy, outra escritora afro-estadunidense.

O figurino é de Tereza Nabuco, artista que há anos atua em produções da Rede Globo.

O desenho de luz, recurso fundamental para a garantia da dramaticidade do espetáculo, está sob os cuidados do experiente iluminador cênico Valmyr Ferreira. Afora diversos trabalhos no teatro, Ferreira assinou a iluminação da exposição “Abdias Nascimentos 90 anos ‑ Memória Viva”, no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, 2004.Por sua vez, o cantor, ator, pianista, compositor e arranjador Wladimir Pinheiro assina a Trilha Original. Até bem recentemente, Wladimir esteve em cartaz com a peça Ataulfo Alves – O Bom Crioulo, dirigida por Luiz Antonio Pilar, no Teatro Dulcina do Rio. Bem que essa também poderia circular por outras cidades.

Somado a tudo isso, a interpretação da dupla Taís Araújo e Lázaro Ramos é capaz de emocionar ainda mais. Além de sustentarem muito bem o dinamismo das falas e do encaminhamento dado ao toque de inusitado fantástico da narrativa (tem que ir para entender!), os atores são capazes de garantir muito sentido até para os momentos de silêncio.

A performance de Taís, em especial, está digna de todos os aplausos de pé ao final. Vendo a maturidade de sua interpretação, foi impossível não lembrar do discurso de Viola Davis ao receber o Emmy 2015 de Melhor Atriz: “A única coisa que separa mulheres de cor de qualquer outra pessoa é oportunidade. Você não pode vencer o Emmy por papeis que não existem”. E mais uma vez livre de sabotagens, Taís Araújo se mostra uma gigante no palco. A atuação de Lázaro Ramos não deixa por menos. O brinde extra é perceber que o homem está jogando tão bem em tantas áreas!

Apagam-se as luzes, vem aquela sensação de quero mais! E, assim, ir ao teatro firma-se como algo que faz muito sentido para a vida, mesmo que isso implique reorganizar as finanças da semana ou do mês! É isso, o teatro também é nosso lugar, público negro! 


quinta-feira, 16 de julho de 2015

Planaltina contra a Redução da Maioridade Penal

Moradoras/es de Planaltina se organizam contra a redução da maioridade penal


Ana Flávia Magalhães Pinto

Reunião de Trabalho - Mobilização contra a Redução da Maioridade Penal, Igreja de Santa Rita, 15.7.2015, Planaltina-DF


Não é de hoje que o destino dos jovens brasileiros tem sido tratado como uma batata quente nas mãos de indivíduos que, por falta de preparo ou má fé, anseiam por se livrar do que chamam de “problema social”.

Na contramão dos esforços pelo reconhecimento da juventude como sujeito político de direito, pauta que se fortalece na agenda política mundial, temos assistido no Brasil às manobras de políticos conservadores e empresários do mundo da criminalidade para incutir na população a imagem dos jovens como um grande inimigo da sociedade.

As propostas de redução da maioridade penal apresentam-se, dessa forma, como apenas uma das possibilidades criadas pelos interessados nos lucros advindos do aumento do número de presídios e de outros produtos da cultura da violência, como programas de televisão, jornais e sites, que dependem do medo generalizado para seguir faturando.

Nesse jogo de manipulação, mascaram dados, mentem e tentam inviabilizar o debate com o argumento de a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos ser um clamor nacional. Logo, algo legítimo, justo e acertado.

Porém, num país que apresenta a média de um caso de linchamento por dia, não se pode achar que manifestações apaixonadas sejam a melhor medida para orientar as decisões sobre assuntos que afetam a integridade dos cidadãos e das cidadãs brasileiras.

Por essas e várias outras razões, muitas têm sido as pessoas e grupos a se manifestar contra essas artimanhas ou, se preferir, essas falsas soluções para falsos problemas.

Planaltina contra a Redução ‑ Em Planaltina, cidade-satélite do Distrito Federal, um grupo de jovens e adultas/os começou a se organizar para ampliar o debate entre a população local. Moradores/as de diferentes bairros, religiões, raça/cor, perspectivas políticas e gênero têm se reunido para desenvolver ações de sensibilização e aprofundar a reflexão por meio de dinâmicas coletivas. As atividades começaram com a “Plenária Planaltina contra a Redução”, realizada no auditório da FUP/UnB Planaltina, em 25 de junho. 

Flyer de Divulgação

“Com o trabalho social dentro da comunidade, a gente vê que o empoderamento desses jovens não existe. Os jovens têm poucas oportunidades, seja de lazer, esporte, cultura, etc. Isso favorece o envolvimento com a marginalidade. O jovem é produto do meio onde vive e não o gerador dos problemas do meio. Diferente do que diz a mídia, o índice de violência do jovem é muito menor do que o do adulto e a reincidência do jovem no crime nem se compara com o que se dá entre os adultos que passam pelo sistema prisional. Além disso, não podemos ignorar o fato de que quem mais tem sofrido com a violência são os jovens negros, pobres e com baixa escolaridade” – argumenta Gracineide Batista, do Estrela Buritis ‑ Centro Integrado de Oportunidades e Promoção Social (CIOPS), moradora da Vila Buritis 2 (Pombal).

Na noite de ontem (quarta-feira, 15), ela e mais vinte pessoas ocuparam uma sala da Igreja de Santa Rita, na Vila Buritis, para a reunião de trabalho de mobilização contra a redução da maioridade penal. O perfil dos/as participantes é diverso. Gente atuante na Pastoral da Juventude, em organizações de bairros, grupos culturais, movimento negro, entidades estudantis, etc.

Como defende Thiago de Souza, da Pastoral da Juventude: “Nós sabemos que a redução da maioridade penal, além de não resolver, pode piorar as coisas. Se as cadeias não servem para a ressocialização, não precisamos mandar mais jovens para lá. O que estão fazendo é um lobby disfarçado”.

O encontro serviu para definir a linha de atuação para os meses de julho e agosto. A prioridade é o diálogo direto nos espaços públicos e privados, como escolas, passeio público, vizinhança, espaços religiosos, etc. Para tanto, está prevista uma oficina de capacitação, a acontecer na próxima terça-feira (21), na Igreja Santa Rita, a partir das 19h30.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Charlie Hebdo por Christen Smith

Charlie Hedbo: Devemos nos consternar com os mortos sem confundir racismo como ideal democrático*


Christen A. Smith** 


O recente ataque contra a sede da revista satírica francesa Charlie Hebdo foi devastador, evidenciando tempos violentos sob a sombra traiçoeira do terrorismo. Devemos tomar cuidado para não atrelar nossa tristeza com o ódio, a vingança e mais violência, ao confundir nosso racismo como sendo nossa democracia.


Simplificando: desenhos políticos representam liberdade de expressão, mas eles nem sempre são inocentes e inerentemente democráticos. Embora as charges satíricas do Charlie Hebdo sejam dirigidas a uma ampla faixa de pessoas e questões políticas, não podemos negar a histórica relação existente entre caricatura racista e violência racial. Fazer isso, ouso dizer, seria minar o próprio espírito do debate saudável e controverso defendido pelo Charlie Hebdo.



Na verdade, este ataque é uma lembrança dolorosa de que momentos como esses muitas vezes envolvem nações democráticas em tiradas racistas de animosidade e vingança fomentadas por xenofobia; neste caso, pintando todos os muçulmanos como terroristas.

De fato, o sentimento anti-islamismo tem aumentado em toda a Europa. Logo após os ataques, a política conservadora francesa Marine Le Pen, líder do partido Frente Nacional, de extrema direita, previsivelmente culpou o Islã pela fúria assassina. No entanto, conforme os acontecimentos do dia avançavam, até mesmo os especialistas mais liberais permitiram que seu pesar descambasse para um sentimento antimuçulmanos. O Washington Post decidiu republicar uma das caricaturas polêmicas de Charlie Hebdo sobre o profeta Maomé.

Charlie Hebdo é uma revista controversa sob qualquer avaliação. Suas charges satíricas caracterizam-se por sua natureza polêmica e tem zombado de uma série de religiões ao longo dos anos, e não apenas do Islã. Porém, poucos têm falado sobre o racismo de muitos dos desenhos da revista e sobre como eles provocativamente forçam os limites entre a liberdade de expressão e preconceito.

Charges políticas são evidentemente um dos nossos direitos democráticos. Eles são, ao mesmo tempo, um dos veículos básicos de racismo frequentemente empregados em momentos de tensão política. Tomemos por exemplo uma charge que circulou num panfleto do Partido Democrata durante a campanha para governador e para o Congresso na Pensilvânia, Estados Unidos, em 1866. O desenho oitocentista foi usado como propaganda contra do Freedman Bureau, um órgão da política de Reconstrução criado para integrar os afro-americanos na sociedade após a abolição legal.

Enquanto a mídia social adotava a hashtag #JeSuisCharlie em solidariedade ao Charlie Hebdo, um grupo menor de vozes de pesar e oposição também surgiu: #JeNeSuisPasCharlie – que reconhecia a insensatez da violência envolvido no caso, mas também se recusava a descartar a história do racismo da revista.

Muitos dos mais controversos desenhos do Charlie Hebdo foram dirigidos não só contra os muçulmanos. Eles também foram dirigidos contra os negros, particularmente mulheres, como as meninas nigerianas raptadas pelo Boko Haram. Nós podemos condenar a violência contra Charlie Hebdo sem tolerar o racismo muitas vezes reproduzidos por seus cartunistas.

Stuart Hall, referência dos estudos culturais, nos lembra que imagens e caricaturas têm uma estreita e duradora relação com o colonialismo, a escravidão e o preconceito em todo o mundo atlântico. Todas as caricaturas não são criadas da mesma forma. Algumas delas, ao mobilizar antigos legados de discriminação de raça, gênero, sexualidade, classe e até mesmo de religião, podem reproduzir dinâmicas de poder desigual que têm um efeito negativo sobre as pessoas marginalizadas. As charges racistas de afro-americanos que circularam amplamente nos Estados Unidos no século XIX foram em grande parte um precursor do linchamento. Veja-se, por exemplo, o documentário Ethnic Notions [Noções Étnicas] de Marlon Riggs.


Em 2013, o editor de Stéphane Charbonnier, carinhosamente conhecido como “Charb”, morto no ataque, escreveu um breve ensaio defendendo o semanário contra acusações de racismo,

“Charlie, nosso Charlie Hebdo, está se sentindo indiscutivelmente mal. Porque uma mentira inacreditável está circulando entre mais e mais pessoas, e nós ouvimos isso todos os dias. De acordo com eles, Charlie Hebdo tornou-se uma folha de racista”.

Ele passa a observar que “o antirracismo e uma paixão pela igualdade entre todas as pessoas são e continuam sendo os princípios fundadores do Charlie Hebdo”.

Mas isso é apenas isso. A conversa não tinha acabado. Ao matar Charb e os outros nove jornalistas no Charlie Hebdo, os assassinos mutilaram nossa capacidade de continuar o debate. É aqui que a tragédia engana, e não até onde nós deveríamos ser livres para produzir qualquer tipo de charge racista que gostamos sem pensar sobre o impacto político e emocional que isso poderia ter.

Nós tínhamos mais para debater, mais para discutir, e Charb deveria estar aqui para responder. 


*Original em inglês "Charlie Hebdo: We Must Grieve the Dead Without Misconstruing Racism as Democratic Ideal". Disponível em: http://truth-out.org/opinion/item/28452-charlie-hedbo-we-must-grieve-the-dead-without-misconstruing-racism-as-democratic-ideal. Traduzido por Ana Flávia Magalhães Pinto, sem fins comerciais e com autorização da autora. 

**Christen A. Smith é professora assistente de dos Departamentos de Antropologia e de Estudos Africanos e da Diáspora Africana da Universidade do Texas, em Austin. Seu próximo livro é “Afro-Paradise: The Black Body, Violence and Performance in Brazil, analyzes anti-black state violence and the black Brazilian community's response to it”. Seu endereço no Twitter é @profsassy.