Axé, Luiza Bairros! Axé, Yalodê!
A você que nos mostrou a possibilidade de ser, muito obrigada!
Sueli Carneiro, Patrícia Hill Collins, Luiza Bairros e Angela Davis no Festival Latinidades, 2014 |
Foi
num sábado de 1998 ou 1999. Era século XX. Em algum dia daquela semana, Edson
Cardoso mandou um recado que eu guardei da seguinte maneira: “Tenho de estar na
Enap, às 15 horas, para ver duas mulheres que vão falar”. De Planaltina ao
final da W3 Sul, eu bem lembro que me perguntei: “Mas o que será que essas
mulheres vão falar de tão importante?”. Cheguei lá antes da hora. Estava rolando
uma daquelas discussões da pesada entre as/os militantes presentes. Era o tempo
em que ainda me assustava com esse tipo espaço. Mas, em dado momento, aquela
agitação toda foi interrompida. As cadeiras da sala foram reorganizadas e as
duas mulheres se encaminharam à mesa. Eram Luiza Bairros e Sueli Carneiro,
anotei no caderno aqueles dois nomes, achando que poderia esquecer depois.
Do
desconhecimento e da desconfiança, em alguns minutos, passei a um estado de maravilhamento.
Ali sentadas, elas olhavam para aquela audiência com cumplicidade e altivez. Eu
nunca tinha visto nenhuma mulher negra fazer aquilo em toda a minha vida! A voz
de Luiza, em especial, me mobilizava. Era grave e muito firme, embalava
palavras extremamente bem articuladas e criava em mim a sensação de estar em
frente a um espelho e querer ver minha imagem ali refletida. É isso. Aquele
momento marcou o momento da minha vida em que eu descobri que ser mulher negra era
mais do que me sentir acuada, fora de lugar no mundo.
A
despeito de todos os nãos cotidianos, aquelas duas mulheres me mostraram a
possibilidade de realmente ser. Uma me despertava a possibilidade e a outra aparecia
como a confirmação de que isso era mais que viável. Eram duas! E, partir delas,
passei a encontrar muitas outras e olhar no espelho passou a ser oportunidade
para ver traços de Jurema, Wânia, Vilma, Martha, Vera, Sinha, Inaldete, Janaina, Lúcia,
Ana, Conceição e tantas outras em meu rosto, em minha história.
Lembro
disso hoje por não saber ainda como lidar com ausência física de Luiza Bairros,
por tentar me organizar para o desafio de me conectar a ela pela força da
ancestralidade. Ao longo desses anos, nunca houve contexto de dizer obrigada
pelos muitos momentos em que ela me protegeu, com suas palavras e atitudes, da
violência do racismo, do machismo, do elitismo, que grassam nos mais variados
espaços sociais, com destaque para a academia, para onde ela disse que nós
teríamos que ir e fazer a luta com todas as armas necessárias.
Entre
tantas recordações de felicidade guerreira, escolheria, por fim, uma que me
leva ao encontro de estudantes negros na UnB, em 2005, quando Luiza Bairros deu
uma boa chamada na nossa geração, dizendo que a viabilidade do movimento negro não
se garantia apenas pelos homens que adoram o microfone, mas sobretudo pelas
mulheres que normalmente são as que mais trabalharam na retaguarda para que a
coisa toda aconteça. Lembro que ficamos muito orgulhosas de sermos tratadas
como protagonistas.
Assim
como eu, sei que muitas mulheres e jovens negras têm muito a contar dessa que
nos foi caminho e agora virou estrela.
Axé,
Luiza Bairros! Axé, Yalodê! Em sua honra e memória, seguiremos!